sábado, 27 de novembro de 2010

O boêmio caseiro



O texto preferido por muitos, A velha contrabandista, é de autoria do carioca Sérgio Porto, mais conhecido pelo pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta. O nome foi inspirado em um personagem da obra de Oswald de Andrade, Memórias de Serafim Ponte Preta. Morreu do coração em 1968 aos 45 anos e sua obra é sempre atual. Um exemplo? "A prosperidade de certos homens públicos no Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso de nosso subdesenvolvimento". O humor era sua marca registrada. Leia a seguir seu autorretrato:


Sérgio Porto, por ele mesmo, "Autorretrato do artista quando não tão jovem"

"ATIVIDADE PROFISSIONAL: Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.

OUTRAS ATIVIDADES: Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.

PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES: Mulher.

QUALIDADES PARADOXAIS: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.

PONTOS VULNERÁVEIS: Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.

ÓDIOS INCONFESSOS: Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.

PANACÉIAS CASEIRAS: Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: aspirina.

SUPERTIÇÕES INVENCÍVEIS: Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões comparativamente qualquer pai-de-santo é um simples cético.

TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS: Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não tão boa quanto pensa.

MEDOS ABSURDOS: Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).

ORGULHO SECRETO: Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.

Assinado,  Sérgio Porto, agosto de 1963."

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Aquele que nasceu homem e morreu menino



Outro autor mineiro cujo texto foi lido pelas turmas foi Fernando Sabino.O escritor tem como característica utilizar suas vivências em suas obras. O tom autobiográfico aparece no livro O menino no espelho e Encontro marcado. Sabino morreu em 2004 e a seguinte frase, a pedido dele, está em seu epitáfio: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino".

O trecho abaixo lembra um pouco A fuga, conto lido na sala em que um menino resolve sair de casa sozinho depois que seu pai o manda parar de arrastar a cadeira pela sala:

"Levei seis anos de minha infância com um lenço enrolado no pescoço, flor-de-lis na lapela e pureza no coração, para descobrir que não passava de um candidato à solidão. Alguma coisa ficou, é verdade: a certeza de que posso a qualquer momento arrumar a minha mochila, encher de água o meu cantil e partir. Afinal de contas aprendi mesmo a seguir uma trilha, a estar sempre alerta, a ser sozinho, fui escoteiro — e uma vez escoteiro, sempre escoteiro". (Uma vez escoteiro, 1934).

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Sobre os contistas


Após a leitura de alguns contos em sala de aula, apresentarei a vocês Carlos Drummond de Andrade, autor de Auto da cabra. Nascido em Itabira, interior de Minas Gerais, um dos temas mais recorrentes de sua obra era a saudade da infância. Interessante lembrar que aos 17 anos, foi expulso do colégio onde estudava. A filha Maria Julieta, sua grande companheira, casou-se com um escritor argentino e ajudou a divulgar no país vizinho a cultura brasileira. Ela morreu de câncer em 1987 e 12 dias depois, Drummond, vítima de complicação cardíaca. Drummond era mais conhecido por seus poemas:


Sentimental

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!

- Estás sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eu estava sonhando…
E há em todas as consciências, um cartaz amarelo:
“Nesse país é proibido sonhar.”


As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.


Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.